quinta-feira, 24 de novembro de 2022

STRANGER THINGS – 4ª TEMPORADA

 

Depois de praticamente seis anos desde seu lançamento, acredito ser mais do que óbvio criticar ou elogiar a nostalgia de Stranger Things. Nós já sabemos do cenário oitentista do período, as diversas homenagens a antigos clássicos do Cinema, e os vários acenos carismáticos a uma era distinta e ainda incrivelmente fascinante de revisitar através da arte. Mas tudo isso é ambientação, é uma vibe e um túnel do tempo espetacularmente bem produzido. Por trás da embalagem, o tutano da série é – e sempre foi – sobre personagens. Entre monstros e portais, cada conflito narrativo é pensado de forma íntima e, de muitas maneiras, são alegorias para situações realistas e dramas humanos: perder um filho é uma guerra interdimensional; ser órfão é Área 51; ser “diferente”, seja nerd, seja parte de uma minoria, é enfrentar os valentões e os Demogorgons de cada dia.

A premissa do quarto ano é similar ao que foi feito nos anos anteriores: estabelecer novas dinâmicas e outro status quo com os protagonistas, agora com parte do grupo em outra cidade, enquanto os residentes de Hawkins se dividem entre tribos. No centro do seriado temos, então, as questões adolescentes com nosso elenco principal. Entre pitadas de romance e doses de companheirismo, o carisma e o bom desenvolvimento dos personagens carregam o roteiro problemático dos Irmãos Duffer, mas falarei disso mais à frente. Por enquanto, quero focar na parte que os criadores continuam mandando bem: o amadurecimento dos jovens. É notável como a dramaturgia da produção tem crescido e se aprofundado junto dos protagonistas, tocando em conteúdos delicados nesta quarta temporada. O bullying e os flertes românticos ainda fazem parte da história, mas também temos temáticas como luto, culpa e suicídio sendo bem articuladas pelo texto.

Para tanto foco em narrativas pessoais, é cruelmente poético que o vilão da vez seja Vecna (Jamie Campbell Bower), um monstro que invade as mentes de adolescentes vulneráveis, com a trama onírica e o antagonista de pesadelos sendo claramente inspirado em Freddy Krueger. A maioria de seus embates vêm contra Max, de longe a personagem melhor desenvolvida da temporada, com o roteiro trazendo a morte de Billy como estopim dos dramas da garotinha que protagoniza alguns dos momentos mais memoráveis, emocionantes e cinematográficos do seriado – toda aquele ato do sétimo episódio é um primor, passando pela direção de arte do mundo de Vecna, a utilização marcante de canções e temas musicais (como o toque do relógio) e realmente toda a construção da direção e a encenação da luta.

Também gosto bastante do arco da Eleven (Millie Bobby Brown). Trazer flashbacks e retornar com Brenner (Matthew Modine) não me pareceram escolhas atrativas de início, mas o roteiro soube lidar com cuidado e sentimento essa parte do passado, e, melhor ainda, com um senso de progressão para a super-heroína de Hawkins, inclusive conectando de maneira perspicaz o drama de Eleven com o de Max (a cena que ela admite seus pensamentos para o Vecna). Tenho algumas ressalvas de como o segmento consegue ser didático e tenta explicar demais a mitologia do Mundo Invertido e de como tudo aconteceu (precisávamos saber disso?), mas é um dos blocos mais interessantes da temporada. Outro ponto positivo dos Duffer continua sendo a introdução de novos personagens, como o divertidíssimo Eddie (Joseph Quinn) e o espirituoso Argyle (Eduardo Franco).

No entanto, nem tudo são flores. Eu realmente gostaria que os criadores tivessem a mesma criatividade para condução de tramas que eles têm para a criação e desenvolvimento de personagens. Primeiro que esse molde narrativo dos grupos separados se convergindo no último episódio está repetitivo e conveniente demais. Segundo que todo o núcleo do Hopper (David Harbour) e da prisão russa não funciona em qualquer nível, seja a diminuição do sacrifício do delegado no final do ano anterior, seja a maneira forçada e inorgânica que o roteiro tenta conectar os personagens adultos com a aventura. Tudo aqui é desleixado, desnecessário e contribui para um problema crescente de Stranger Things: inchaço.

Eu aprecio o fato da série continuar aumentando o escopo, e, como havia dito, amei algumas das novas figuras, mas a história do quarto ano parece que vai explodir a qualquer momento. São personagens demais, explicações de ficção científica demais e núcleos demais. Como consequência, temos Will (Noah Schnapp) sendo ignorado pela segunda temporada consecutiva, enquanto Lucas (Caleb McLaughlin) continua contribuindo em pequenas doses – nem Mike (Finn Wolfhard) foi bem aproveitado pelo roteiro. É o proverbial “às vezes menos é mais”, algo sintetizado pela duração exagerada dos episódios finais, com uma montagem que não consegue lidar com seus cinco desfechos diferentes – em alguns momentos, tudo parecia uma versão mal pensada e mal editada de O Retorno do Rei.

Em meio a seus problemas, porém, Stranger Things continua encontrando força mais nos indivíduos e menos na jornada. A fórmula dos Irmãos Duffer funciona e entretém justamente porque eles amam seus personagens, nos fazem amar seus personagens e gostam de permanecer o máximo possível em seus conflitos e emoções. Ajuda bastante quando há consequências brutais como no último episódio – só espero que, dessa vez, os criadores tornem o impacto permanente. E, bem, também não machuca que a escala do seriado só tem aumentado, com a produção dando um show visual cada vez maior, seja esteticamente, seja cinematograficamente. Por mais extenso que seja a finalização da quarta temporada, uma coisa não podemos negar: foi o ano mais épico (e macabro) da série; mas, como sempre, mantendo o lado humano que torna a obra tão empática e divertida de acompanhar.

 

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