quarta-feira, 15 de abril de 2020

Crítica | ‘Por Lugares Incríveis’ é uma reflexão sobre as relações humanas

Antes de mais nada, um aviso: este é um texto bastante pessoal. Não estaria sendo sincero comigo mesma nem com o filme se escrevesse algo estritamente técnico. A experiência de um espectador (e o crítico é, antes de tudo, um espectador) é sempre mergulhada em suas vivências, caso contrário não existiria o que chamamos de identificação.

Quando recebi a indicação de Por Lugares Incríveis para escrever, o link da Netflix veio acompanhado da sinopse em inglês, que, em tradução livre, dizia: “Dois adolescentes que enfrentam lutas pessoais formam um vínculo poderoso quando embarcam em uma jornada catártica que narra as maravilhas de Indiana”. Particularmente, não gosto de sinopses, porque acredito que elas não fazem jus ao filme. Tentar reduzir uma obra de tantos minutos em pouquíssimos caracteres é uma missão tão complexa quanto delicada. Em alguns casos, uma sinopse ruim apenas afasta espectadores em potencial, mas, neste caso, é imperativo fazer um convite para que uma ideia transmitida viralize.

Felizmente, a versão brasileira do site de streaming foi muito mais sensível: “Em seu pior momento, ele mostra a ela o caminho para luz. Uma jornada transformadora de liberdade, beleza e descobertas”. Por Lugares Incríveis é o tipo de filme que extrapola a ideia de contar uma história, é uma produção que pretende ter um papel social e, ainda além, convoca o espectador para fazer o mesmo.

Atenção! A partir daqui a crítica pode conter spoilers.

Proposta

Apesar de a sinopse em inglês ter me deixado receosa de que Por Lugares Incríveis seria apenas mais um romance adolescente do qual eu não esqueceria pelo fato de ter escrito sobre ele, a presença de Elle Fanning e Justice Smith como par romântico me fez questionar o preconceito recém-criado.

A primeira sequência apresenta, como de costume, os protagonistas, mas vai além! Há um elefante na sala, ou seja, há algo urgente e muito importante que não podemos ver e que demanda coragem e prudência para falar sobre: transtornos mentais são reais e muito mais comuns do que geralmente gostamos de admitir. Muitas obras tocam no assunto, mas nem todas fazem isso de uma forma segura, haja vista a repercussão da série 13 Reasons Why.

Jennifer Niven, escritora do livro no qual Por Lugares Incríveis foi baseado, assina o roteiro ao lado Liz Hannah e o resultado é muito mais do que um simples romance. Essa não é uma história de amor no sentido de acompanhar os altos e baixos de uma relação amorosa, mas sim sobre o que significa de fato relacionar-se com alguém, seja romanticamente ou não.

A história contada em Por Lugares Incríveis não necessariamente precisaria ser um romance, mas utilizar a paixão acaba sendo uma forma de aproximar personagens de uma maneira intensa e rápida. As outras relações (de onde pode vir o apoio para as pessoas que têm transtornos mentais) não são excluídas do roteiro: família, amigos, contatos sociais e auxílio profissional estão presentes e todos eles têm em igual intensidade a potência de serem construtivos ou destrutivos, sendo a família de Finch (Justice Smith) o principal exemplo disso: enquanto a irmã representa uma relação familiar positiva, o pai é a própria origem do trauma.


Desenvolvimento

Finch é a personificação de uma necessidade humana: um laço verdadeiro. O convite à reflexão é imediato: das pessoas ao seu redor, quantas estão dispostas a compartilhar sua vida nos seus piores momentos? Claro que qualquer pessoa com um mínimo de empatia faria o possível para evitar que alguém pulasse da ponte. Ficar com essa pessoa até que ela se recupere, no entanto, demanda muito mais do que um único ato de compaixão.

Qualquer relação mais profunda demanda compromisso e responsabilidade. Importar-se com alguém é muito mais do que perguntar se a pessoa está bem. É preciso entender que transtornos mentais não só são reais, como podem ser fatais. Somente dizer que tudo vai ficar bem, ainda que seja uma verdade na maioria dos casos, tem o mesmo poder de efeito que um chá de camomila diante de uma tuberculose.

Ainda que lembre o indigesto Um Amor Para Recordar (Adam Shankman, 2002), Por Lugares Incríveis percorre o caminho do conto de fadas por um viés diferente. Enquanto muitos romances criam histórias irreais, de grandes gestos de amor que são difíceis ou, às vezes, impossíveis de serem reproduzidos na vida real, criando frustrações intensas na vida de muitos espectadores, o filme da Netflix tem uma lição a ensinar: em cada relação verdadeira há uma potência de conto de fadas.


Finch não é o príncipe encantado de Violet (Elle Fanning), mas sim a pessoa que teve a disposição de mostrar a ela que é possível ver o mundo de outros modos e nada disso é mostrado de uma forma clichê. Assim como em Divertida Mente (Pete Docter, 2015), o roteiro mostra que a tristeza é parte essencial do ser humano e, quando há qualquer espécie de desequilíbrio emocional, a relação com o outro é essencial para que nos recuperemos. O filme usa a ficção como muito mais do que um lembrete, é um alerta de que somos animais sociais. Afinal, como pensar o eu sem pensar no outro?

Por Lugares Incríveis não é um filme perfeito (é quase cômico todo o merchandising de papelaria inserido até mesmo em diálogos). Por outro lado, é importante lembrar que um filme não precisa ser uma obra-prima inestimável para tocar os espectadores, porque arte não é meramente técnica. Não é preciso ser rebuscado para gerar mudanças.

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