Não
é nem de longe uma novidade o encantamento do público com livros de memórias.
As biografias e suas vertentes próximas sempre figuraram no topo das listas de
itens mais vendidos nas livrarias. Claro, quem nunca quis poder mergulhar nos
pensamentos de um ídolo, passear livremente por bastidores ou mesmo reviver
situações ou fases icônicas? Sucesso de público e crítica, esse gênero se
consagrou mais uma vez em 2019 ao promover momentos de honra, emoção e glória a
nós, bons leitores.
Em
meio a tanto, também pudemos seguir viagem rumo a horizontes que se distanciam
do glamour. Abraçamos os dramas de personagens que muita gente trocaria de
calçada, só pra não ter que dar um bom dia. As dores da perda, da solidão, da
velhice. Ler, afinal, é também se colocar na pele de alguém. Já montou sua
lista de leitura pras férias? Caso a resposta tenha sido não, o Ponto Zzero te ajuda reunindo algumas
das melhores publicações feitas ao longo deste ano.
Prince, “The Beautiful Ones”
Eleito
um dos livros do ano pelo The New York
Times. Podemos começar assim a descrição de “The Beautiful Ones”, obra que reúne as memórias inacabadas de Prince, gênio que nos deixou
precocemente em 2016. O texto narra em primeira pessoa como uma criança tímida,
crescida na década de 1960, absorveu o mundo ao seu redor para criar a persona
visionária que o alçou definitivamente aos anais da história. São a
genialidade, a imaginação e as palavras precisas de alguém que sempre se entregou
por inteiro – mas foi embora cedo demais.
Temos
nas mãos um trabalho de curadoria incrível que reúne ainda fotos, manuscritos e
anotações nunca antes vistos. Se a morte de Prince hoje, quase quatro anos depois, é vista por você como algo
banal, faça o exercício de leitura: você sentirá uma falta avassaladora do
ícone. Por enquanto, ainda não há previsão de lançamento em português – o que
não torna a experiência menos interessante. Ótima oportunidade pra praticar o
idioma e colocar os discos pra tocar enquanto lê!
Chico Felitti, “Ricardo e Vânia”
Após
13 anos tentando se aproximar de Ricardo
da Silva Corrêa, figura conhecida nas ruas de São Paulo pelo ingrato (e
ofensivo) apelido de “Fofão da Augusta”,
o jornalista Chico Felitti conseguiu
ter acesso a sua história de vida e escrever um perfil. Publicado inicialmente
no site Buzzfeed Brasil, o conteúdo
ganhou milhões de acessos em poucas horas. Tempos depois, se transformou em
livro. Em “Ricardo e Vânia”, Felitti
resgata a trajetória de dois jovens gays que saem do interior de São Paulo rumo
à cidade grande.
O
que havia por trás dessas figuras marginalizadas? Um grande amor e uma história
que surpreende: nos anos 1970 e 1980, quando fugiu do interior e se estabeleceu
em São Paulo ao lado de sua amada Vânia, Ricardo falava inglês e francês, era
apaixonado pela arte drag e de rua, tinha status e muita fama – algo que o
permitia circular entre as cenas underground e mainstream, onde trabalhava como
cabeleireiro. O que aconteceu depois? Uma leitura sensível, que nos faz
terminar com os olhos marejados. Quem publica é a Todavia.
Patti Smith, “O Ano do Macaco”
O
ano é 2016 e a poetisa do punk, Patti
Smith, celebra sozinha, em um quarto de hotel, seu aniversário de 70 anos.
Às vésperas do ano novo, seu amigo inseparável Sam Shepard cai de cama e pouco tempo depois morre – no mesmo
período em que ela se prepara para uma extensa turnê pelos Estados Unidos. Em
seu novo livro de memórias, “O Ano do
Macaco”, a maior voz feminina de todos os tempos do punk resgata memórias e
divagações feitas ao longo destes que são descritos como os meses mais difíceis
de sua vida – sensação potencializada pela polarização política do país graças
à eleição de Donald Trump.
Publicado
pela Companhia das Letras, o projeto traz mais uma amostra da visceralidade
narrativa da autora, premiada em 2010 com o National Book Award. A novidade chegou ao Brasil em um momento
super oportuno: em novembro, de passagem pelo país para duas apresentações,
Patti conversou com fãs no teatro do Sesc Pompéia, em São Paulo. Caso você também se interesse, saiba que há
outros livros dela traduzidos para o português – recomendo muitíssimo a leitura
de cada um. Em ordem, “Só Garotos”,
“Linha M” e “Devoção”.
Fernanda Montenegro, “Prólogo, Ato,
Epílogo”
Uma
vida inteira dedicada à arte. Fernanda
Montenegro chegou aos 90 anos gloriosa, dedicando-se a mil e um projetos.
Um deles foi o lançamento de seu livro de memórias, “Prólogo, Ato, Epílogo”, também lançado pela Companhia das Letras e
redigido em parceria com a jornalista Marta
Góes.
Afetiva,
inteligente e sagaz, a obra promove um delicioso reencontro da atriz com suas
origens ao narrar os dramas e aventuras de seus antepassados europeus,
percorrer sua infância, o início no rádio, os duros tempos no teatro e os
trabalhos que a alçaram ao posto de grande drama da dramaturgia – chegando a,
inclusive, concorrer ao Oscar em 1999. Trata-se de um olhar para o passado e um
grito de resistência dado no presente. Um dos melhores livros do ano, sem
dúvida!
Jotabê Medeiros, “Raul Seixas: Não
Diga Que a Canção Está Perdida”
A
Todavia lançou em novembro deste ano a biografia “Raul Seixas: não diga que a canção está perdida”, que como o
próprio nome diz se empenha em uma reconstrução da vida epopeica de Raul Seixas. Narrando em detalhes como
um garoto de classe média de Salvador, fã de Elvis Presley, se tornou em um dos maiores ídolos do pop
brasileiro, o livro se propõe a uma série de questionamentos.
Quais
caminhos o cantor trilhou até que hits como “Maluco Beleza” e “Sociedade
Alternativa” tomassem conta das rádios? Como as drogas e o alcoolismo o
derrotaram, em meio a tanta sede de criar? Há mesmo evidências de que o ícone
teria entregado o amigo Paulo Freire
para o regime militar? De onde vinha tamanha inspiração? De autoria de Jotabê Medeiros, mesmo responsável pela
elogiada biografia de Belchior, esta
é uma leitura indispensável para os amantes da música brasileira.
Luísa Marilac, “Eu, Travesti”
A
vida de Luísa Marilac nem sempre foi
fácil. Vinda de uma família conservadora e de classe baixa, aos 16 anos ela
levou 7 facadas. Aos 17 se assumiu travesti e, tempos depois, foi vítima do
tráfico humano, tendo sido levada para a Europa e obrigada a se prostituir.
Estuprada, presa mais de uma vez, ela viu sua vida mudar ao postar um vídeo na
internet e ter um bordão seu viralizado: “E
disseram que eu estava na pior”.
Além
de toda essa bagagem de traumas enfrentada por uma parte considerável dos
LGBTQ+, Luísa é também um exemplo de força e resiliência. Ativista, musa e
também poeta, ela constrói um relato íntimo de sua trajetória – dedicado, nas
palavras da jornalista Nana Queiroz,
a todas aquelas que não puderam viver para contar suas histórias.
Debbie Harry, “Face It: A Memoir”
Hey,
Blondie! As cantadas baratas que Debbie
Harry cansou de escutar pelas ruas de Nova York deram nome a uma das bandas
mais fabulosas – e inventivas – de todos os tempos. Com mais de 40 anos de
estrada, uma infinidade de hits emplacados e uma legião de fãs ao redor do
mundo, o Blondie é hoje sinônimo de
longevidade. Após ter passado pelo Brasil no último ano em um show inesquecível
no Popload Festival, a musa da new
wave decidiu se empenhar na produção de um relato que esmiúça de forma
corajosa, bela e muito, muito punk os caminhos que trilhou. Mesclando relatos a
peças de arte visual, a artista revela em quase 400 páginas episódios
históricos vividos ao lado de gente como Iggy
Pop, os Ramones, o Television e David Bowie (que rende uma passagem, digamos, bem inusitada. Sem
spoilers!).
O
que eu mais gosto nisso tudo? Dona de uma sensibilidade única, Debbie fala sem
pompa alguma sobre seu afastamento da música, sua aproximação com o cinema
(neste meio tempo rolaram mais de 30 filmes), os desafios da carreira solo e
seu retorno triunfante à banda, já nos anos 1990. Ah, e ela também arrasa ao
falar sobre seus projetos sociais, alguns deles voltados para a defesa da causa
LGBTQ+.
João Marcelo Bôscoli, “Elis e eu”
É,
só tinha de ser com você. Se para nós, meros mortais, a lembrança de Elis Regina pode ser um misto de afeto
e ausência, imagine para aqueles que conviveram com a maior e mais poderosa voz
que o Brasil já viu surgir. Em “Elis e
eu: 11 anos, 6 meses e 19 dias com minha mãe”, lançado pela editora
Planeta, o produtor musical João Marcelo
Bôscoli compartilha com o leitor todas as suas memórias ao lado da mãe,
morta em 1982.
Logo
na descrição, Bôscoli deixa claro que não há pesquisa externa, consultas
bibliográficas ou mesmo a transcrição de conversas. São apenas lembranças suas
de uma mulher, que ali não era a cantora, em situações capazes de conferir à
sua existência um outro contorno. Uma obra pra ser lida com os discos ao fundo,
porque se é pra ser fã de Elis, você precisa se permitir sentir.
Elton John, “Me, Elton John”
Ainda
no embalo de “Rocketman”, elogiada
cinebiografia que chegou aos cinemas com Taron
Egerton no papel principal, o rei Elton
John preparou o lançamento de sua autobiografia. “Eu, Elton John”, já publicada em português pela Planeta, ressalta
os altos e baixos que o fizeram atravessar décadas invicto e se tornar mais
longevo hitmaker de todos os tempos. Estão na obra relatos de sua infância, no
subúrbio de Londres, seu difícil relacionamento com os pais, a descoberta da
sexualidade… Elton John não poupa
detalhes e também vai fundo em sua relação com o parceiro criativo, Bernie Taupin, bem como episódios que
marcaram sua relação com nomes como John
Lennon, Freddie Mercury, George Michael e a Princesa Diana – todos seus grandes amigos.
Pra
finalizar, ele também fala sobre sua luta em prol dos diagnosticados com
AIDS/HIV, além de sua fase mais recente, em que se dedica à família e prepara o
encerramento grandioso de sua carreira em uma série de shows mundo afora. Temos
aqui uma jornada bonita, poderosa e incrível – da forma que sempre enxergamos
Elton.
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